sexta-feira, 12 de novembro de 2010

De bicicleta para o emprego? Qual emprego?


Esta semana assisti à conferência do engenheiro Mário Alves, no âmbito do ciclo Human Habitat, promovido pela Construção Sustentável de Lívia Tirone. Foi muito interessante, muito instrutiva sobre conceitos que desconhecia, muito refrescante sobre como aumentar a acessibilidade das pessoas (a pessoas, a serviços, a bens, a locais, etc.) em espaço urbano. Eu nunca tinha colocado frente-a-frente, e muito menos antagonizado, acessibilidade e mobilidade. Aliás, careca de rever As Normas Técnicas de Acessibilidade para pessoas com Mobilidade Condicionada em projectos de arquitectura, tinha o hábito mental de colocar um sinal de igual (=) nesta equação. Foi uma boa "aula", portanto, ainda que, como todas as aulas que se têm depois da operacionalidade, se encolha os obros em desdém para muito esquema "bonitinho". Facto é que, no essencial, é verdade que se voltarmos todos à velocidade das carroças e dos peões, aumenta-se a oportunidade de andarem todos no meio da via. Isto dito assim com ironia, mas a concordar plenamente que as grandes velocidades e as grandes cilindradas bem podiam estar reservadas no uso exclusivo das autoestradas e dos itenerários complementares e que, dentro das muralhas do burgo, ninguém desse, individualmente, mais que um cavalo.

Em "A Paisagem Urbana Moderna", Gordon Cullen conta que quando algumas pessoas começaram a ter e conduzir automóveis, consideravam-no mais um brinquedo e iam "acelerar" para estradas de "macadam" dos arredores, todos contentes, tendo as estradas alcatroadas sido requesição de ciclistas que queriam um piso mais regular para "patinar" com os seus pneus fininhos. Não sei se foi assim, mas consigo imaginar a coisa. Sobrepôr a este o "slide" da "evaporação de tráfego" é um clique.

Aprendi a andar de bicicleta este ano e fiquei muito entusiasmada com o aumento da minha mobilidade. Actualmente, se não houver automóveis mal estacionados, consigo ir a pedalar até à soleira do prédio onde moro (e depois estaciono mesmo em casa!).
Quando, no Verão, participei na "workshop" de condução de bicicleta na cidade, promovida pela Post, o meu objectivo era meter a bicicleta a agilizar todos os percursos que geralmente fazia a pé para ir trabalhar.
Os planos sairam muito frustrados...

Actualmente meto a bicicleta apenas em 1 dos 5 percursos diferentes que faço para os locais de trabalho, duas vezes por semana - é um percurso que fazia habitualmente a pé, cerca de 45 minutos. A dois deles chego de comboio e a pé. A um deles chego a pé (para a bicicleta o terreno é "dobrado"). E ao outro chego de combóio, de metro e a pé (a avaliar (as subidas para) meter a bicicleta em vez do metro e de "la pata").

.. mas a culpa é minha!
Chateia-me aquela impressão com que acabo alguns dias, de que foram mais os metros que eu carreguei a bicicleta do que aqueles que ela me carregou a mim, mas continuo a fazer-me com ela à estrada sempre que se justifique (isto, porque ainda não me cobiça pedalar só por desporto). Porém, as escadas e as encostas não são os principais entraves à minha acessibilidade.

O que me parece sempre mais motivante neste esquema de mobilidade não é a "grande" diversidade de meios de transporte, é a diversidade de percursos para ir trabalhar. Obviamente isso está associado a uma elevada precaridade... mas também a (minha) bicicleta.

Eu penso como o desgraçado que vai de riquexó, se pudesse ter um carro, teria um carro e haveria de querer levá-lo até à porta de casa e ao meio da cidade. Aliás seria capaz de arriscar o resultado de uma sondagem que averiguasse da percentagem de utilizadores de transportes públicos que prefeririam ir de carro para o emprego (sinónimo de preferirem ter um emprego que lhes permitisse comprar um carro e sustentá-lo).
Eu sei que a ideia é criar condições e "convencer" os automobilistas urbanos a tornarem-se mais peões, mais passageiros, mais ciclistas, nas suas deslocações diárias. Mas um dia o pessoal que vem diáriamente para Lisboa nos cacilheiros ou nos comboios da linha de Sintra ou da Azambuja, também vai querer vir de carro (seja a que energia for e certamente não será a pedais)... se puder, e esse poder não é só económico!

imagem: do filme "Ladri de Biciclette" de Vittorio de Sica, de 1948.