segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

De bicicleta para o emprego? Qual emprego? (parte 3)

Já apanhei aquele tique que, provavelmente, "atormenta" todos os bloguistas que dedicam inteira ou parcialmente os seus blogues à bicicleta como meio de transporte, e que consiste em fotografar toda a bicicleta que se encontre a rolar ou estacionada na cidade.
É um bocado ridículo, porque já persegui ciclistas na rua para os fotografar pelas costas e já andei a correr no meio das avenidas para conseguir "shottar" uma bicicleta que rolava na outra faixa.
Enfim!
Desta vez estava, por acaso à janela e vi chegar à praceta um senhor vestido com um coete refletor e levando uma bicicleta pela mão. Aproximou-se de um caixote de lixo e "estacionou". Primeiro pensei que era um distribuidor de publicidade pois parecia transportar uma resma de panfletos na grade traseira, mas quando começou a vasculhar os contentores percebi que se tratava de um "senhor que anda ao lixo". Ainda assim puxei da máquina fotográfica (do telemóvel) e disparei esta fotografia quando ele acabou de vasculhar, sem qualquer sucesso, os 6 contentores da praceta e seguiu empurrando de lado a bicicleta.



Quando eu era criança esta era uma "profissão" que abundava lá no bairro onde eu creci. Dizem que na altura o papelão e alguns metais eram vendidos ao peso e aquilo (ao kilo) rendia. Entretanto os homens (e mulheres) que andavam ao lixo deixaram de o fazer pelo papelão porque deixou de se fazer tal negócio, e a "profissão" entrou em extinção. Dessa infância ficou-me o personagem do "Manel Gigante", um homem alto e esguiu que andava ao lixo e que sempre nos trazia, a mim e aos meus irmãos, brinquedos e livros de banda desenhada, natural e visívelmente encontrados nos contentores, e que encarnava uma espécie de Pai Natal todo o ano, ainda que por vezes brincasse ao Homem do Saco!
Na praceta onde moro há dois "ecopontos" e não é raro ver pessoas ao lixo (ás vezes sou eu!), à procura de utensílios que ainda servem, de roupa, de móveis, etc.
Podia encher este texto de preconceitos, como dizer que provavelmente esta bicicleta é roubada e visivelmente o homem nem sabe andar nela, mas não é essa a reflexão que me assalta de momento. Da fraca amostra pode já adivinhar-se que, à medida que ficarmos mais pobres, aparecerão mais bicicletas na rua**. Talvez, às tantas a praceta deixe de estar "infestada" de automóveis... ainda que isso não seja um bom sinal económico. O dinheiro será sempre a melhor maneira de motivar as massas*** para o uso da bicicleta como transporte, não me venham cá com chiquisses**** e acessórios da Brooks!

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Fotografia: mmm
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Parte 2 aqui.
**: «um dia o pessoal que vem diáriamente para Lisboa nos cacilheiros ou nos comboios da linha de Sintra ou da Azambuja, também vai querer vir de carro (seja a que energia for e certamente não será a pedais)... se puder, e esse poder não é só económico!» in Parte 1.
***: Para todas estas abordagens é possível encontrar exemplos no
Bicicultura.
****: Nada contra a "filosofia" Cycle Chic de que sou totalmente simpatizante, tudo contra a fanfarrice (dos proprietários de veículos a motor ou a pedais).